DANÇA DE RUA NO PALCO DO 31º FESTIVAL DE DANÇA DO TRIÂNGULO

Carlos Franco
O 31º Festival de Dança do Triângulo, sob a direção e coordenação da Associação dos Profissionais de Dança do Triângulo (APDU), abriu as portas do Teatro Municipal de Uberlândia para receber os grupos de dança de rua que tem renovado a cena na cidade, no país e no mundo. Trazendo a vitalidade, a força e a garra da resistência musical além dos passos com forte influência da herança negra que é o que as Américas têm de melhor e mais distante dos padrões eurocêntricos.
A dança de rua surgiu nos Estados Unidos como resposta dos marginalizados às permanentes crises econômicas do país. Foi dos negros escravizados pela Inglaterra, que colonizou os Estados Unidos, ainda que este território tenha sido descoberto pelo italiano Cristovão Colombo sobre o patrocínio espanhol, que surgiram ritmos como o jazz, o blues, o rhythm and blues, o soul entre outros, dos quais hip hop, funk e disco são derivados.
A chamada dança de rua, do inglês street dance, toma corpo em 1929, quando o país entra em depressão, pois a bolsa de valores não era real, mas abstrata: os papéis das empresas se valorizavam sem que estas tivessem o mesmo valor ou mesmo mercadorias que pudessem justificar a especulação com seus papéis, as ações. Desempregados em cassinos, casas de shows, muitos músicos e bailarinos passaram a se apresentar nas ruas, o que estimulou o crescimento do movimento de música e dança de rua, fazendo com que desenvolvesse uma identidade própria.
Apenas no final dos anos 1950, precisamente em 1957, a modalidade conquistaria definitivamente o seu lugar nos palcos com a criação de “West Side Story” (no Brasil traduzido como “Amor, sublime amor”) criada por Jerome Robbins com música do genial Leonard Bernstein, letras de Stephen Sondheim e um livro de Arthur Laurents baseado na peça teatral “Romeu e Julieta” do bretão William Shakespeare.
Na montagem que estreou na Broadway, em Nova York e chegou às telas do cinema em 1961 imortalizando a atriz Natalie Wood, a cena desse musical de dança de rua se desenrola no Upper West Side de Manhattan , no coração de Nova York, então um bairro multirracial e operário . O musical explora a rivalidade entre os Jets e os Sharks, duas gangues de rua adolescentes de diferentes origens étnicas. Os Sharks, que são migrantes recentes de Porto Rico , e os Jets, que são brancos , disputam o domínio do bairro e, é claro, o coração da bela Maria, a branca Natalie Wood que se apaixona por um latino, por seu ritmo e rica cultura, aquilo exatamente que faltava aos brancos europeus colonizadores dos Estados Unidos.
Portanto, foi consequência natural que esse ritmo de rua, distante do eurocentrismo, conquistasse espaços periféricos e fizesse valer seus ritmos que também desembocariam no rock”n”roll. Em Uberlândia, não faltam grupos hoje de dança de rua exibindo beleza e rebeldia com seus corpos. Fernando Narduchi, um dos pioneiros na cidade, criador da Companhia Balé de Rua, que conquistou sucesso nacional e internacional, estava exultante nas apresentações do 31º Festival de Dança do Triângulo em ver que o movimento segue firme e forte.
Melhor ainda: de uma década para cá, o movimento que aglutinou ritmos como o hip hop e o funk, passou a desafiar os padrões de luxo eurocêntricos que grandes marcas sempre tentam imprimir se colocando num patamar superior para estimular o desejo dos consumidores. Camisetas estampando grifes que sempre procuraram se manter distantes das periferias talvez seja a melhor vingança daqueles que com seus corpos e ritmos vão escrevendo uma nova história. É preciso dançar para quebrar estruturas arcaicas. Carros tunados e camisetas escarando grifes esfregam na cara de sórdidas elites o quanto são sórdidas. O bom é que são corpos jovens, ao contrário daqueles montados em motocicletas Harley-Davidson, a marca que vende, desde a estreia do filme “Easy rider” (Sem destino, em português) em 1969, estrelado por Peter Fonda e Dennis Hopper, um ideal de liberdade e juventude. SQN, pois como essas máquinas são caras, quem as acaba adquirindo, em sua maioria, são quarentões, muitos deles barrigudos procurando se passar por jovens. Tanto pior que alguns são pateticamente conservadores em oposição aos protagonistas de “Easy Rider”. A street dance, pelo menos, segue se mantendo fiel aos espaços marginais e é mais inclusiva, sem limites de renda e idade para ser o que se é.
Evoé o poder transformador da cultura.