O FOGO DE PROMETEU NO TEATRO MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA

Texto Carlos Franco
Foto: Doo Fotografia/Divulgação 31º Festival de Dança do Triângulo
O bailarino Jhonatan Machado Rios tem emprestado o seu talento para renovar a cena da dança em Uberlândia e o fez de forma brilhante com a apresentação de “Entre céus e terra” da Cia It no 31º Festival de Dança do Triângulo na área externa do Teatro Municipal de Uberlândia.
Como antes de ser fogo, era segredo; os deuses do Olimpo guardavam-no a sete chaves, tesouro intocável, privilégio divino. Os humanos, pobres criaturas, tremiam no escuro, comiam carne crua, morriam de frio. Até que Prometeu, o mais desobediente dos titãs, roubou uma centelha do sol e desceu correndo a montanha. Nas mãos, trazia o futuro. Zeus, o senhor dos trovões, não o perdoou. Condenou Prometeu a ter o fígado devorado por uma águia, todos os dias, por toda a eternidade. O órgão crescia de novo, a ave voltava, a dor nunca acabava. Mas o fogo já estava solto.
E os humanos, que antes eram sombras, aprenderam a cozinhar pão, forjar espadas, queimar mentiras. Hefesto, o deus coxo, filho rejeitado de Hera, dominava as forjas. Em suas mãos, o fogo não queimava—construía. Armaduras inquebráveis, joias que cegavam, autômatos de bronze. Ele, o deformado, era o artesão do impossível. Já Héstia, deusa do lar, guardava a chama sagrada das cidades. Seu fogo não era para a guerra, mas para a resistência. Enquanto ardia no centro das casas, as famílias existiam.
Mas havia também o fogo de Éfesto, o vulcão que engolia cidades inteiras, e o das tochas das Erínias, que perseguiam os culpados até a loucura. O fogo nunca foi só uma coisa. Prometeu pagou caro por seu crime, mas os humanos nunca mais foram os mesmos. O fogo é a herança dos desobedientes, dos corpos que não se calam. Luz que nos incendeia.
E foi com essa herança das tribos das quais descendemos que encontraram no fogo a continuidade da luz do sol após o crepúsculo que Jhonatan Machado Rios iluminou o Teatro Municipal de Uberlândia com uma residência que transformou os participantes em guardiões dessa chama.
Como Prometeu, o bailarino quebra as correntes do “dèjá vu” dos passos do balé que também coreografa com extremo e reconhecido rigor e que é exemplo da herança eurocêntrica e burguesa dos colonizadores, para, por meio de uma visão contemporânea, incendiar a dança e nos incendiar. Propiciar à plateia momentos de pura magia.
Ao som do ritmo que das congadas uberlandenses emana e que constituem o nosso mais rico patrimônio cultural e de resistência, apesar da visão contrária de néscia vereadora que rasga o Evangelho do palestino Cristo para apregoar o ódio e a escuridão no púlpito da Câmara Municipal de Uberlândia, o coreógrafo deu vida a uma representação potente de dança.
Felizmente a cultura mantém viva a chama da vida nesta antiga sesmaria de antepassado meu, João Pereira da Rocha, jogando luz onde há trevas. Evoé Jhonatan Machado Rios por nos trazer do Olimpo o fogo que nos incendeia porque enquanto houver uma brasa acesa, a esperança — como o fígado de Prometeu — renascerá.
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