MARADONA OU A MÃO DE DEUS

MARADONA OU A MÃO DE DEUS

Carlos Franco

Todos nós temos uma história para contar. Somos frutos de histórias que nos envolvem da infância à velhice e de sonhos que nos levam a sermos o que somos. As aventuras de um avô, a luta de um pai ou de uma mãe para pôr a comida na mesa e as descobertas da sexualidade e do mundo que nos cerca constituem o que somos, quem somos, assim como a torcida por um time de futebol, os almoços em família, as brigas, as intrigas, as mortes e os nascimentos. 

Muitas vezes, em núcleos mais próximos, somos cúmplices de acontecimentos mesmo quando coadjuvantes, os que não são o centro da história, os protagonistas, mas ainda assim atores principais de nossas vidas, de nossa história que para sempre será nossa marca e constituirá nossa identidade. Também será a lembrança que deixaremos nas vidas de outros, mesmo que pinceladas com outros tons e alguns acréscimos por narradores dos fatos dos quais participamos. É assim que, de protagonista da nossa história, passamos a coadjuvantes das histórias de vida dos que nos rodeiam, seja no núcleo familiar, de trabalho, de fé ou de uma torcida por um de time esportivo, um partido político, um movimento com o qual nos identificamos e no qual encontramos os nossos pares.

É essa a essência do belo e instigante filme “A mão de Deus”, em cartaz na Netflix. O filme é dirigido pelo italiano Paolo Sorrentino, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2014 por “A grande beleza”. E é de beleza que estamos falando quando o cineasta numa quase autobiografia coloca em cena a Napoli, a cidade que surgiu ao redor do famoso vulcão do Monte Vesúvio, que em português denominamos  Nápoles. 

Neste cenário deslumbrante, o cineasta revisita a sua infância e a de um herói que, mesmo sendo argentino, Diego Maradona, colocou o time napolitano no centro do mundo.

Com Maradona vestindo a camisa do Napoli na década de 1980, os torcedores celebraram suas maiores conquistas e se sentiram grandes, impregnados pela brilhante trajetória do jogador, um homem que amou o continente sul-americano como poucos e deixou um legado de talento e grandeza também como poucos deixarão porque foi protagonista ímpar e transparente de sua história e impactou milhões de histórias ao redor do mundo: paixão e dor, cair e levantar, seguir sempre em frente.

É, portanto, de história, uma bela história, de que trata o filme “A mão de Deus”, uma referência direta à conquista da Copa do Mundo por este jogador vibrante, talentoso, que em 2021 estampou as camisas oficiais do Napoli.

Paolo Sorrentino tem sua própria história de vida ligada ao jogador, pois, ao decidir ir ao estádio ver o time italiano  de Maradona jogar, salvou-se da morte de que foram vítimas seus pais por vazamento de gás na casa  em que viviam quando ele tinha 16 anos.

O filme narra a trajetória de um garoto, como Paolo, e suas descobertas, a torcida pelo time de futebol e por Maradona, o desejo pela voluptuosa tia, os almoços em família, o cinema de grandes diretores como Federico Fellini e Franco Zeffirelli até o encontro chave com um mestre que o diz que todos temos uma história para contar. É dessa beleza de vida que nasce o filme, não um filme qualquer como a maioria dos enlatados americanos que não se preocupam em tornar críveis seus personagens e usam ação e efeitos especiais como muletas para esconder que estão aleijados de roteiro, mas um filme tocante, sensível, emocionante como a vida deve ser e é.

Sorrentino na telinha da Netflix mostra que é um mestre na arte de contar uma história, o Oscar é apenas um detalhe na sua carreira, pois é um cineasta brilhante, contundente, demasiadamente humano. Olé, Maradona!. A mão de Deus nos toca com afeto e beleza.

UDICULT

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